As festas do inverno: São João Batista e a Menina da Lanterna 🌠

Na educação Waldorf/ Antroposofica, cada época do ano é marcada por festas que trazem significado e nutrição interior, profundamente ligadas aos ritmos da natureza e à biografia humana.

Durante o inverno, celebramos duas festas que, embora um pouco diferentes entre si, compartilham uma essência comum: a luz que brota no escuro.


🔥 A Festa de São João Batista

(24 de junho, Solstício de Inverno no Hemisfério Sul)


Na tradição cristã, São João Batista é o precursor do Cristo — aquele que veio preparar o caminho, chamando as pessoas à transformação interior. Sua mensagem era clara: “Arrependei-vos”, no sentido de voltar-se para dentro e buscar a luz do espírito.

Na Antroposofia, São João é associado a um momento muito especial do ciclo anual: o ponto mais escuro do ano, onde a noite é mais longa e o sol mais fraco. É também, paradoxalmente, o momento em que a luz começa a crescer novamente, mesmo que de forma invisível.

Assim, a festa de São João simboliza a coragem de atravessar a escuridão com confiança, sabendo que dentro de nós há uma chama viva que nos guia.

Na biografia humana, este momento do ano também está ligado à juventude e ao impulso de superação do ego: o fogo da transformação, da purificação e do encontro com algo maior do que o eu individual.

Por isso, celebramos São João com fogueiras, danças circulares, comidas quentes, histórias sobre superação e coragem. Não apenas como uma festa cultural, mas como uma vivência simbólica da força interior que atravessa os tempos difíceis com esperança e luz.

> Em uma escola Waldorf, tudo é feito com reverência: o fogo é aceso em silêncio, cantam-se canções tradicionais, histórias arquetípicas são contadas e as crianças participam com alegria e respeito. Nas famílias, esse espírito também pode ser acolhido com simplicidade e intenção.



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🕯 A Festa da Menina da Lanterna

(geralmente celebrada em julho ou início de agosto)


Inspirada na Festa de São Martinho (celebrada na Europa no outono), a Festa da Lanterna foi adaptada para o nosso inverno e é profundamente simbólica na pedagogia Waldorf.

Na tradição brasileira, a história central gira em torno de uma menina que caminha com sua lanterna acesa até que, em meio à escuridão e ao vento, sua chama se apaga. Em busca de reacendê-la, ela parte por uma jornada simbólica: encontra animais e pessoas ocupadas demais para ajudá-la, até que, guiada pelas estrelas, decide procurar o Sol — a fonte maior da luz.

Ao alcançar o topo da montanha e adormecer, a menina tem sua lanterna reacendida. Quando desperta, algo transformador acontece: agora ela é capaz de compartilhar sua luz. Em seu caminho de volta, ela aquece corações, ilumina caminhos e reacende chamas adormecidas.



Sob o olhar da Antroposofia, essa festa simboliza a luz interior que nos guia mesmo nos momentos mais sombrios.

Ela representa o impulso anímico de confiar na centelha divina que habita em cada ser humano, especialmente importante no inverno, quando a natureza parece adormecida e o mundo externo oferece menos estímulos.

Para a criança, vivenciar essa história é mais poderoso do que compreendê-la racionalmente.  Essa festa nos convida a vivenciar o gesto de levar luz ao mundo mesmo nos dias mais escuros. 

Para a criança, ao caminhar com sua própria lanterna acesa, seja no quintal, em casa ou em uma pequeno "cortejo das lanternas" na escola, ela experimenta, de forma viva e concreta, a ideia de que a luz interior pode ser cultivada, protegida e compartilhada com amor e coragem e isso pode ser profundamente formativo.



As lanternas são feitas com cuidado e delicadeza: de papel vegetal, vidro reciclado, ou outros materiais de acordo com a criatividade. São carregadas com reverência. Os cantos entoados falam da luz, da esperança, da confiança.

É uma festa silenciosa, sensível, quase mágica.

E nos lembra que, mesmo nos períodos de maior escuridão, há sempre uma luz dentro de nós — e ela pode iluminar não só o nosso caminho, mas o do outro também.


História: A Menina da Lanterna

Era uma vez uma menina que alegremente passeava com sua lanterna pelas ruas. De repente, sem aviso, chegou o vento e com grande ímpeto apagou a luz da lanterna da menina.

– Ah! Quem poderá reacender a minha lanterna? - Exclamou a menina.

Olhou para todos os lados, mas não achou ninguém.

Apareceu, então, um animal muito estranho, com espinhos nas costas, de olhos vivos, que corria e se escondia muito ligeiro pelas pedras. Era um ouriço.

– Querido ouriço! - Exclamou a menina.

- O vento apagou a minha luz. Será que você não sabe quem poderia acender a minha lanterna?

E o ouriço disse a ela que não sabia, que perguntasse a outro, pois precisava ir pra casa cuidar dos seus filhotes.

A menina continuou caminhando e encontrou-se com um urso, que caminhava lentamente. Ele tinha uma cabeça enorme e um corpo pesado e desajeitado, e grunhia e resmungava.

–Querido urso! - falou a menina

- O vento apagou a minha luz. Será que você não sabe quem poderia acender a minha lanterna novamente?

E o urso disse a ela que não sabia, que perguntasse a outro, pois estava com sono e ia dormir .

Surgiu então uma raposa, que estava caçando na floresta e se esgueirava entre o capim. Espantada, a raposa levantou seu focinho e, farejando, descobriu-a e mandou que voltasse pra casa, porque a menina espantava os ratinhos!

Com tristeza, a menina percebeu que ninguém poderia ajudá-la ali.

Sentou-se sobre uma pedra e chorou.

Neste momento surgiram estrelas no céu.

- Boa noite estrelas do céu! Poderiam me emprestar a sua luz para acender a minha lanterna?

Então, elas lhe disseram que adorariam, mas que a luz delas não tinha força o bastante. Lhe disseram para ir perguntar ao Sol, pois ele é quem emprestava a luz dele para elas, com certeza ele poderia ajudar também a menina.

Depois de ouvir o conselho das estrelas, a menina criou coragem para continuar o seu caminho a procura do Sol.

Finalmente chegou a uma casinha, dentro da qual avistou uma mulher muito idosa, sentada, fiando na sua roca. A menina abriu a porta e a cumprimentou.

- Olá querida vovó – disse ela.

- Olá! - respondeu a senhora.

A menina perguntou se ela conhecia o caminho até o Sol, também perguntou se a senhora gostaria de ir com ela procurá-lo, mas a vovó disse que não podia acompanhá-la porque ela tinha que fiar sem parar e sua roca não podia parar. Mas pediu para que a menina que comesse alguns biscoitos e descansasse um pouco, pois o caminho era muito longo.

A menina entrou na casinha e sentou-se para descansar. Pouco depois, pegou sua lanterna e continuou a caminhada.

Mais a frente encontrou outra casinha no seu caminho, a casa do sapateiro.

Ele estava consertando muitos sapatos.

A menina abriu a porta e o cumprimentou. Perguntou, então se ele conhecia o caminho até o Sol e se queria ir com ela procurá-lo. Ele disse que não podia acompanhá-la, pois tinha muitos sapatos para consertar. Deixou que ela descansasse um pouco, pois também sabia que o caminho era longo.

A menina entrou e sentou-se para descansar. Depois pegou sua lanterna e continuou a caminhada.

Bem longe avistou uma montanha muito alta.

Com certeza, o Sol mora lá em cima – pensou a menina e pôs-se a correr, rápida como uma corsa.

No meio do caminho, encontrou uma criança que brincava com uma bola. Chamou-a para que fosse com ela até o Sol, mas a criança nem a respondia. Preferiu brincar com sua bola e afastou-se saltitando pelos campos.

Então a menina da lanterna continuou sozinha o seu caminho. Foi subindo pela encosta da montanha. Quando chegou ao topo, não encontrou o Sol.

- Vou esperar aqui até o Sol chegar – pensou a menina, e sentou-se na terra.

Como estava muito cansada de sua longa caminhada, seus olhos se fecharam e ela adormeceu.

O Sol já tinha avistado a menina há muito tempo.

Quando chegou a noite ele desceu até a menina e acendeu a sua lanterna.

Depois que o Sol voltou para o céu, a menina acordou.

- Oh! A minha lanterna está acesa! – exclamou, e com um salto continuou alegremente seu caminho.

Na volta, reencontrou a criança que brincava, que lhe disse ter perdido a bola, não conseguia encontrá-la por causa do escuro. As duas crianças procuraram então. Após encontrá-la, a criança afastou-se alegremente.

A menina continuou seu caminho até o vale e chegou à casa do sapateiro, que estava muito triste na sua oficina.

Quando viu a menina, disse-lhe que seu fogo tinha apagado e suas mãos estavam frias, não podendo, portanto, trabalhar mais. A menina acendeu a lanterna do artesão, que agradeceu, aqueceu as mãos e pôde martelar e costurar seus sapatos.

A menina continuou então a sua caminhada pela floresta e chegou ao casebre da senhora. Seu quartinho estava escuro. Sua luz tinha se consumido e ela não podia mais fiar. A menina acendeu nova luz e a vovó agradeceu, e logo sua roda girou, fiando, fiando sem parar.

Depois de algum tempo, a menina chegou ao campo e todos os animais acordaram com o brilho da lanterna.

A raposinha, ofuscada, farejou para descobrir de onde vinha tanta luz.

O urso bocejou, grunhiu e, tropeçando desajeitado, foi atrás da menina.

O ouriço, muito curioso, aproximou-se dela e perguntou de onde vinha aquele vagalume gigante.

Assim a menina voltou feliz para casa.




Celebrar com presença


Essas festas de inverno não são apenas eventos no calendário. Elas são imagens vivas que falam diretamente à alma da criança.

São momentos que nutrem, fortalecem e ajudam a formar um senso de ritmo, confiança e pertencimento — qualidades tão necessárias em um mundo agitado e desconectado.

Celebrar São João e a Festa da Lanterna com as crianças é oferecer a elas um espaço para se conectarem com o invisível, com o simbólico, com o sagrado no viver.







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